Em um cenário de economia instável, inflação elevada e consumidores cada vez mais cautelosos com seus gastos, o setor de alimentação fora do lar tem enfrentado um verdadeiro teste de resiliência. Com o poder de compra do brasileiro comprimido e os custos operacionais em alta (energia, insumos, mão de obra e aluguéis), os restaurantes — especialmente as redes de fast food e fast casual — estão sendo obrigados a reinventar suas estratégias de marketing para manter relevância, engajamento e, acima de tudo, vendas.
Inspiradas por tendências globais e adaptadas à realidade local, as principais redes do país estão apostando em campanhas criativas, digitalização acelerada, programas de fidelidade mais inteligentes e parcerias culturais que conectam emocionalmente com seus clientes.
Vamos entender como essas estratégias estão sendo aplicadas no Brasil e o que pequenos negócios também podem aprender com elas.
1. Marketing emocional: nostalgia, humor e cultura pop
Uma das maiores tendências do marketing atual é voltar ao básico emocional: apelar para sentimentos como nostalgia, pertencimento, alegria e identificação.
Redes como Bob’s, Habib’s e Subway têm investido em campanhas que resgatam clássicos do cardápio, slogans antigos, jingles memoráveis e até “personagens” das décadas de 90 e 2000. A ideia é reconectar com um público que cresceu com essas marcas, gerando afeto e conversa nas redes sociais.
Além disso, humor e cultura pop têm se tornado ferramentas essenciais. O Habib’s, por exemplo, aposta em vídeos sarcásticos e memes com linguagem jovem para promover seus preços baixos. Já o Bob’s lançou combos temáticos com influenciadores e personagens de animes, games e séries queridas pelos millennials e pela Geração Z.
Essa estratégia alivia a pressão do preço, pois cria uma conexão emocional com o consumidor, que passa a valorizar mais a experiência e o sentimento que a marca oferece do que apenas o valor do produto.
2. Programas de fidelidade mais estratégicos e personalizados
Enquanto antes os programas de fidelidade eram baseados em “compre 10, ganhe 1”, hoje vemos um movimento para modelos mais avançados e personalizados.
Redes como Giraffas, Burger King e Outback já utilizam aplicativos com sistemas de pontos, promoções exclusivas e recompensas dinâmicas baseadas no comportamento de compra do cliente.
O foco agora é coletar dados, analisar preferências e entregar ofertas personalizadas. Por exemplo:
- Um cliente que costuma pedir hambúrguer toda sexta-feira pode receber um cupom exclusivo nesse dia.
- Um cliente inativo por 30 dias pode ganhar um brinde para “voltar a comprar”.
- Clientes VIP (de ticket médio alto) podem acessar combos exclusivos ou ter atendimento prioritário.
Essa mudança aumenta a retenção, frequência e o ticket médio, ao mesmo tempo em que fortalece a relação com a marca.
3. Digitalização da jornada: apps, gamificação e inteligência artificial
Com a pandemia e a consolidação do delivery, os consumidores se acostumaram com praticidade. Hoje, eles querem pedir, pagar, acompanhar e interagir com a marca diretamente pelo celular.
Por isso, redes como China in Box, Spoleto, McDonald’s e Starbucks têm investido em:
- Aplicativos próprios com cashback, cupons e ofertas exclusivas;
- Agendamento de retirada no balcão, evitando filas e otimizando o atendimento;
- Gamificação: desafios, jogos e missões que dão pontos e brindes (como no app da Wendy’s nos EUA, tendência que começa a chegar ao Brasil);
- WhatsApp automatizado para realizar pedidos, confirmar entregas e até enviar lembretes de promoções.
Além disso, o uso de inteligência artificial está crescendo, principalmente entre as grandes redes. Ela é aplicada para:
- Recomendar produtos com base em compras anteriores;
- Criar combos personalizados para cada perfil;
- Automatizar respostas e atendimentos em canais digitais;
- Otimizar o estoque com base na previsão de demanda.
Essa automação, muitas vezes invisível ao consumidor, melhora a experiência, reduz falhas e aumenta a eficiência operacional.
4. Influência local e regionalização da comunicação
No Brasil, onde hábitos alimentares variam muito entre regiões, marcas que falam com sotaque local conquistam mais o público.
As redes estão investindo em microinfluenciadores regionais, campanhas com sotaques locais e até adaptações de cardápio conforme o gosto do público.
Por exemplo:
- O Burger King já lançou produtos exclusivamente no Nordeste com sabores locais.
- Marcas do Sul utilizam influenciadores que falam o dialeto típico para promover os produtos em conteúdos regionais.
- Pequenos negócios, como hamburguerias artesanais, têm explorado “o orgulho local”, usando frases como “o melhor x-tudo da cidade” ou “hambúrguer que é a cara do ABC”.
Essa estratégia humaniza a marca e a aproxima da comunidade, fortalecendo o engajamento e a fidelidade.
5. Estratégias de valor, não apenas de preço
Com consumidores mais exigentes, baixar o preço nem sempre é a melhor solução. Muitas marcas estão optando por reposicionar seus combos, destacar a qualidade dos ingredientes e oferecer benefícios adicionais, como embalagens exclusivas ou brindes colecionáveis.
O segredo está em mostrar valor percebido, como:
- Quantidade: “só aqui você leva 3 por 20”
- Qualidade: “feito com carne 100% angus”
- Exclusividade: “edição limitada”, “combo do mês”, “só no app”
- Afeto: “feito com amor”, “do jeitinho da vovó”
Além disso, marcas como o Outback e o Applebee’s apostam em experiências completas, como ambientação, pratos bem montados e atendimento carismático, criando momentos memoráveis que fazem o cliente aceitar pagar mais.
6. Omnicanalidade: integração entre físico, digital e redes sociais
Outra tendência clara é a integração da jornada de compra, onde o consumidor pode iniciar o contato com a marca nas redes sociais, continuar no WhatsApp, finalizar no app e retirar na loja — tudo de forma fluida.
Para isso, marcas estão:
- Unificando os dados do cliente (nome, histórico de compras, localização)
- Padronizando mensagens em todos os canais (mesmo tom de voz e identidade)
- Usando QR Codes nos materiais físicos para levar o cliente para o digital
- Coletando feedbacks em tempo real para ajustar ações rapidamente
É o chamado CRM integrado — que, mesmo para pequenos negócios, já pode ser aplicado com ferramentas como Bling, RD Station, ZapSign, PipeRun e até automações gratuitas via Google Forms e WhatsApp.
7. Inteligência de dados e marketing preditivo
O uso estratégico de dados tem permitido que redes antecipem comportamentos e ofereçam campanhas sob medida. Com isso, as empresas conseguem:
- Prever quais produtos terão mais saída em determinado mês
- Criar ofertas específicas para reduzir estoque de itens parados
- Identificar perfis com alto risco de abandono e recuperar esses clientes
Esse marketing orientado por dados (ou data-driven marketing) aumenta muito a eficiência das campanhas e reduz desperdícios de mídia e promoções genéricas.
8. Pequenos negócios também podem aplicar essas ideias
Mesmo que você não seja uma grande rede com verba milionária, há muito o que aprender (e aplicar!) com essas estratégias:
- Use o WhatsApp como canal oficial de atendimento e promoções
- Crie um programa de fidelidade simples, como um cartão de carimbos digital com QR Code
- Ofereça combos inteligentes que aumentem o ticket médio
- Aposte em datas temáticas, personagens ou memes populares
- Peça feedbacks constantes para entender o que melhorar
- Crie um grupo VIP de clientes fiéis, onde você lança promoções antecipadamente
- Invista em fotos bonitas, cardápio digital e descrição atrativa dos produtos
- Mantenha presença ativa nas redes sociais com vídeos curtos e reais
Conclusão: marketing como estratégia de sobrevivência e crescimento
Se antes o marketing era visto apenas como uma forma de “divulgação”, hoje ele é parte central do modelo de negócios. Em tempos de incerteza, as marcas que sobrevivem e crescem são aquelas que sabem ouvir o cliente, inovar com agilidade e entregar experiências memoráveis — e não apenas comida.
Seja com nostalgia, tecnologia, fidelização ou storytelling, o marketing é o tempero que pode transformar um negócio comum em uma marca querida, mesmo nos momentos mais difíceis da economia.